
“Bela, recatada e ‘do lar’. Podia muito bem ser o slogan da “Agenda Doméstica 2018” da Porto Editora.
Se na infância devem existir livros de atividades em que as meninas são princesas e aprendem a fazer bolos, na idade adulta a agenda de uma mulher deve ser marcada pelo “cuidado do lar”, “noções de etiqueta” e idas ao ginásio.
Agenda Doméstica 2018 será, sem dúvida, a companheira ideal para o seu dia a dia, refere a Porto Editora.
Nela encontrará:
• Design prático e atrativo, para registar o que é importante.
• Receitas de culinária, do prato mais simples à ementa mais requintada.
• Conselhos de beleza, ginástica, elegância feminina e noções de etiqueta.
• Registo dos feriados municipais e demais dias festivos.
• Passatempos com aliciantes prémios.
Muito embora a Porto Editora refute que nos seus critérios editoriais estejam subjacentes conteúdos reprodutores de estereótipos de género, verificamos que são várias as publicações que acentuam o gosto natural pela esfera doméstica das mulheres e raparigas.
Efetivamente, são gostos, aptidões e interesses que têm início na infância, com a venda de livros de atividades para meninas que são princesas e aprendem a fazer bolos, e perpetuados na idade adulta em que o espaço doméstico e a beleza devem ocupar a centralidade e a agenda das mulheres.
Nomeadamente, o cuidado do lar, o gosto pela culinária, as noções de etiqueta, elegância e ginástica feminina.
Este vínculo de aprendizagem e de reprodução de estereótipos de género, que se inicia na infância e se reflete mais tarde na idade adulta, muito devemos à Porto Editora.
Que continua a atribuir à mulher o papel de cuidadora e dona do lar, assente num gosto natural pela esfera doméstica, inscrita em normas de conduta e estereótipos de género que sustentaram, durante décadas, a ideologia patriarcal do Estado Novo, bem presente no ideal feminino da mulher Bela, recatada e ‘do lar’.
E esta é a visão e a imagem que a Porto Editora ainda tem da mulher portuguesa em pleno século XXI.
A associação ACEGIS salienta que é urgente combater, desmistificar e educar para a tomada de consciência dos mecanismos sociais subjacentes na reprodução de estereótipos de género que ainda se encontram enraizados nas mensagens estereotipadas sobre os papéis e as relações sociais entre mulheres e homens na esfera familiar, profissional e social.
Difundir uma visão estereotipada dos papéis de género, no qual cabe à mulher a organização da vida quotidiana da família, dos aspectos ligados ao cuidado do lar e das tarefas domésticas, é estar a legitimar as desigualdades e a hierarquia entre homens e mulheres dentro e fora da família.
Sobretudo quando são mais do que evidentes os mecanismos sociais na reprodução de estereótipos: a elas cabe o cuidado da casa, da família e do espaço doméstico, a eles a esfera profissional e o sustento do lar.
De acordo com o Eurobarómetro, de 20 de novembro de 2017, mais de quatro em cada dez europeus acreditam que o papel mais importante de uma mulher é cuidar da casa e da família (44%) e o de um homem ganhar dinheiro (43%).
Bela, recatada e dona do lar não é a agenda de uma mulher em 2018 e muito menos do século XXI.
É sim, uma agenda que apenas contribui para difundir uma visão de subalternidade da mulher relegando-a à esfera doméstica e ao cuidado do lar.