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Presidente da República veta lei que estabelece o direito à autodeterminação da identidade de género
Marcelo Rebelo de Sousa vetou o diploma que permitia a mudança de sexo aos 16 anos e sem relatório médico. A nova lei tinha sido aprovada pela Assembleia da República a 13 de abril de 2018.
O Presidente da República vetou nesta quarta-feira diploma sobre a autodeterminação da identidade de género que dispensa o relatório médico e permite a mudança de sexo no registo civil a partir dos 16 anos.
Numa nota publicada no portal da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa pede ao Parlamento que pondere a inclusão de uma avaliação médica quando se trate de menores.
O Presidente da República solicita à Assembleia da República “que se debruce, de novo, sobre a presente matéria, num ponto específico – o da previsão de avaliação médica prévia para cidadãos menores de 18 anos.”
A Associação ACEGIS entende que a autodeterminação da identidade de género deve ser independente da avaliação de terceiros ou condicionada por uma avaliação médica.
A identidade é uma questão individual e subjectiva. Como tal, deve-se garantir que o processo de reconhecimento jurídico da identidade de género não exclua nenhuma pessoa e muito menos seja condicionada ou colocada nas mãos de terceiros decisões num processo que é individual.
Retirar a capacidade de decisão individual significa um retrocesso no direito à autodeterminação da identidade de género, promovendo ainda mais o estigma e a discriminação destas pessoas.
Muito embora o Presidente da República refira que a exigência de uma avaliação médica prévia no caso de menores “não se prende com qualquer qualificação da situação em causa como patologia ou situação mental anómala”, mas sim com “duas considerações muito simples”:
“A primeira é a de que importa deixar a quem escolhe o máximo de liberdade ou autonomia para eventual reponderação da sua opção, em momento subsequente, se for caso disso. O parecer constante de relatório médico pode ajudar a consolidar a aludida escolha, sem a pré-determinar.”
A segunda justificação do Presidente República para o veto do diploma da consideração prende-se com a possibilidade de intervenção cirúrgica para mudança de sexo:
“Havendo a possibilidade de intervenção cirúrgica para mudança de sexo, e tratando-se de intervenção que, como ato médico, supõe sempre juízo clínico, parece sensato que um parecer clínico possa também existir mais cedo, logo no momento inicial da decisão de escolha de género.”
Analisado as duas considerações que conduziram ao veto do diploma a Associação ACEGIS entende que:
- Primeiro Ponto – A exigência de uma avaliação médica
A ideia de “deixar a quem escolhe a máxima liberdade e autonomia” não é compatível com a necessidade da inclusão de uma avaliação médica. Esta exigência significa, na prática, perpetuar a patologização, no campo científico e médico, da identidade de género e da expressão de género.
A verdadeira autodeterminação e autonomia das pessoas transgénero e intersexuais passa justamente pela eliminação da necessidade de apresentação de um relatório médico nos procedimentos jurídicos de reconhecimento da identidade de género.
- Segundo Ponto – A salvaguarda das situações de risco para a saúde que impliquem modificações do corpo ou das características sexuais da pessoa menor
Relativamente à segunda questão, importa sublinhar que o Decreto n.º 203/XII estipula e garante a não realização de atos e intervenções cirúrgica de mudança de sexo da pessoa menor que coloquem em causa situações de risco para a sua saúde.
Relativamente a essas situações, o aludido “juízo clinico”, nomeadamente a modificações ao nível do corpo e das características sexuais da pessoa menor intersexo, por via de tratamentos e as intervenções cirúrgicas ou farmacológicas, já se encontra salvaguardo e garantido no artigo 5º do Diploma.
“Salvo em situações de comprovado risco para a sua saúde, os tratamentos e as intervenções cirúrgicas, farmacológicas ou de outra natureza que impliquem modificações ao nível do corpo ou das características sexuais da pessoa menor, não devem ser realizados até ao momento em que se manifeste a sua identidade de género.” (artigo 5º do Decreto n.º 203/XIII).
A restrição da maioridade e a exigência prévia de avaliação médica não só tende a atrasar o processo de autodeterminação da identidade de género, bem como a perpetuar a patologização e a discriminação, no campo científico e social, das pessoas transgénero e intersexuais.
De acordo com o “Trans Rights Europe Map & Index 2017”, em 36 dos 41 países europeus é exigido a exigência de diagnóstico de perturbação mental nos procedimentos jurídicos de reconhecimento de género.
E em 34 países o reconhecimento é condicionado pela idade, não sendo possível requerer o procedimento de mudança da menção do sexo no registo civil e da consequente alteração de nome antes da maioridade (18 anos).
Lembramos que no casos das pessoas menores de idade deve ser garantido o direito de serem ouvidas e de exprimirem livremente a sua opinião, sendo que a mesma ser tomada em consideração de acordo com a sua idade e maturidade.
Um princípio consagrado no artigo 12.º, nº1 da Convenção sobre os Direitos da Criança, bem como na Constituição da República Portuguesa, nos termos do artigo 69º, no qual “as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral”.
<p>Não podemos falar em “desenvolvimento integral” das crianças quando as mesmas são impedidas de exercer os seus direitos mais básicos: o da autodeterminação e da expressão da sua identidade de género. Direitos fundamentais e imprescindíveis ao livre desenvolvimento da sua individualidade, personalidade e identidade.</p>
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<p>Mais do que um reconhecimento jurídico, significa garantir a livre manifestação da identidade e expressão de género e das características sexuais da pessoa menor intersexo.</p>
<p>Significa quebrar impedimentos e as obrigações que impedem o exercício da cidadania plena a todos os cidadãos e cidadãs, independentemente da sua idade ou identidade de género.</p>
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<p>Compete ao Estado assegurar e eliminar todas as formas de discriminação e estabelecer o direito à autodeterminação e expressão de género e das características sexuais de cada pessoa.</p>
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<h5>Susana Pereira, Fundadora da Associação ACEGIS</h5>
Artigo atualizado às 11h40 do dia 11 de maio de 2018.
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