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O Tribunal da Relação do Porto decidiu manter a pena suspensa aos dois homens que violaram uma jovem que estava inconsciente e "incapaz de resistir". Tribunal alega "sedução mútua" e "ilicitude não elevada".
A descrença no sistema judicial e nos tribunais, onde procuramos a aplicação justa e imparcial da lei, é particularmente prejudicial, uma vez que traz consigo o efeito dissuasor na apresentação de queixa por parte das vítimas face à impunidade dos agressores.
Infelizmente continuamos a identificar decisões judiciais que desvalorizam a violência contra as mulheres e que têm o efeito perverso na descrença do sistema judicial que deve proteger as vítimas.
Estamos perante mais uma decisão judicial que demonstra que o caminho mais difícil no combate à violência contra as mulheres encontra-se no seio da comunidade jurídica, nos tribunais.
O Tribunal da Relação do Porto decidiu manter a pena suspensa aos dois homens que violaram uma jovem que estava inconsciente e “incapaz de resistir”.
O caso ocorreu em novembro de 2016, dois homens abusaram sexualmente de uma jovem de 26 anos numa discoteca em Vila Nova de Gaia. À altura dos factos, a jovem estava inconsciente devido a um elevado estado de embriaguez.
O Tribunal invoca “sedução mútua” e “ilicitude não elevada”, acrescentado que a jovem não sofreu danos físicos nem psicológicos e que não houve violência na consumação dos atos.
“A culpa dos arguidos (embora nesta sede a culpa já não seja chamada ao caso) situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita bebida alcoólica, ambiente de sedução mútua, ocasionalidade (não premeditação), na prática dos factos. A ilicitude não é elevada. Não há danos físicos (ou são diminutos) nem violência (o abuso da inconsciência faz parte do tipo”, pode ler-se no acórdão. (link)
Os factos foram dados como provados e, de acordo com o recurso do Ministério Público, a jovem, por estar muito embriagada, estava “incapaz de resistência”.
Acresce que os arguidos estavam cientes do estado de inconsciência da vítima, segundo informações apuradas através da telefonemas e troca de mensagens entre ambos os agressores: “(…) ela estava toda fodida (…)” e “(…)Não. Ela estava toda desmaiada no quarto de banho (…)”.
Os arguidos estiveram em prisão preventiva entre fevereiro e junho de 2017, passando depois para prisão domiciliária com pulseira eletrónica. Em fevereiro de 2018, foram condenados a quatro anos e seis meses de prisão com pena suspensa por um tribunal de Vila Nova de Gaia.
Apesar do Ministério Público ter recorrido da sentença por não concordar com a suspensão da pena, a Relação do Porto, depois de voltar a apreciar o caso, decidiu manter a pena suspensa aos dois homens.
– A legitimação da violência contra as mulheres ainda tem lugar no último sítio onde seria expectável: nos tribunais e em decisões judiciais.
Infelizmente continuamos a identificar decisões judiciais que desvalorizam a violência contra as mulheres e que têm o efeito perverso na descrença do sistema judicial que deve proteger as vítimas.
Desde os vestígios patriarcais na argumentação, a decisões judiciais que desvalorizam a violência contra as mulheres, a medidas de coação que não protegem as vítimas, à atenuação de penas por atos e crimes de violência, aumenta o sentimento de impunidade e descrença no sistema judicial.
Os tribunais não só afirmam o poder instrumental e criminal, mas igualmente o poder simbólico de remover os obstáculos que impedem as mulheres de obter proteção jurídica.
A atenuação da gravidade do comportamento dos agressores, entendido como “sedução mútua” e de “mediana ilicitude”, num caso de violação, apenas serve para legitimar e naturalizar a cultura de violação, assédio sexual e de violência contra as mulheres.
Estamos perante mais uma decisão judicial que demonstra que o caminho mais difícil no combate à violência contra as mulheres encontra-se no seio da comunidade jurídica, nos tribunais.
Continuam a ser perpetuadas decisões judiciais que reforçam a legitimidade e a atenuação de atos ou crimes de violência e violação, que tem servido para tolerar, aceitar e desculpabilizar a normalização da violência contra as mulheres.
A descrença no sistema judicial e nos tribunais, onde procuramos a aplicação justa e imparcial da lei, é particularmente prejudicial, uma vez que traz consigo o efeito dissuasor na apresentação de queixa por parte das vítimas de violência face à impunidade dos agressores.
Negar às vítimas a possibilidade de responsabilização criminal dos agressores é uma forma de negação do direito à justiça.
Não. Não é “sedução mútua”, é violação.
Cada vez que a justiça falha estamos a validar uma série de preconceitos e estereótipos de género. Cada vez que a justiça falha estamos a reconhecer, a aceitar, a desculpabilizar, a normalização da violência contra as mulheres.
Susana Pereira
Fundadora da Associação ACEGIS
Artigo atualizado e republicado às 01h43 do dia 22 de setembro de 2018.
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