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Relatório Situação da População Mundial 2020 - Contra a minha vontade: desafiando as práticas que prejudicam mulheres e meninas e, impedem a igualdade
Mutilação genital feminina, casamento infantil e preferência por filhos do sexo masculino: as práticas nocívas que fazem milhões de vítimas todos os anos
O relatório anual do Fundo de População da ONU (UNFPA, na sigla em inglês), Situação da População Mundial 2020, divulgado esta terça-feira, 30 de junho, estima que 4,1 milhões de meninas serão submetidas à mutilação genital feminina ainda este ano; e todos os dias, 33 mil meninas, com menos de 18 anos, serão obrigadas a casar, geralmente com homens muito mais velhos.
Além disso, uma preferência extrema por filhos em vez de filhas em alguns países alimentou a seleção de sexo ou a negligência extrema, resultando em 140 milhões de “mulheres desaparecidas”, que poderiam ter sobrevivido num mundo sem discriminação.
Ações urgentes e aceleradas são necessárias para impedir a mutilação genital feminina, o casamento infantil e outras práticas que prejudicam mulheres e meninas. O relatório argumenta que 3,4 mil milhões de dólares por ano até 2030 poderiam pôr fim ao casamento infantil e à mutilação genital feminina, salvando 84 milhões de raparigas destas práticas.
Todos os anos, centenas de milhares de meninas, em todo mundo, estão sujeitas a práticas que as prejudicam física ou psicologicamente, com o pleno conhecimento e consentimento de suas famílias, amigos/as e comunidades, de acordo com o relatório Situação da População Mundial 2020, divulgado pelo Fundo de População da ONU, a agência de saúde sexual e reprodutiva das Nações Unidas.
Pelo menos 19 práticas nocivas – que variam desde o achatamento dos seios até testes de virgindade – são consideradas violações dos direitos humanos, de acordo com o relatório do UNFPA. O relatório se concentra-se nas três práticas mais prevalentes: mutilação genital feminina, casamento infantil e preferência por filhos homens. “Práticas nocivas contra meninas causam traumas profundos e duradouros, privando-as de seu direito de atingir todo o seu potencial”, diz a diretora executiva do UNFPA, Dra. Natalia Kanem.
O que significa que, apesar de seus direitos humanos inerentes, o seu corpo, a sua vida e seu o futuro não lhe pertence. Vivemos em um mundo onde inúmeras dimensões de poder e escolha ainda são determinadas pelo sexo. A maioria das mulheres e meninas enfrenta algumas, se não muitas, barreiras à igualdade em virtude da discriminação. Entre as muitas causas e consequências da discriminação de género, as práticas nocivas são as mais insidiosas.
Tais práticas resultam em danos agudos e muitas vezes irreversíveis, mas podem ser aceitas como normais e até benéficas. Em muitos casos, elas incorporam a privação de poder de decisão e a desigualdade já no início da vida – no corpo e na mente traumatizada de uma criança ou adolescente. Quando adulta, e ao longo de sua vida, esses danos negam às mulheres as suas perspetivas de acesso à educação, de ter uma maternidade com segurança, de ganhar a vida com dignidade ou defender seus direitos. Casamentos infantis, prematuros e forçados, e a mutilação genital feminina, estão entre os exemplos mais proeminentes de práticas nocivas que surgem da falta de poder e direitos entre mulheres e meninas, e que agravam as desigualdades.
Com muitas variações, tais práticas danosas são generalizadas e estão presentes em todas as regiões do mundo, tanto nos países em desenvolvimento como nos desenvolvidos.
O fim das práticas nocivas até 2030 em todos os países e comunidades é um dos principais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. E exige a mudança de mentalidades ao permitir estas formas de violência contra mulheres e meninas, negando-lhe a sua autonomia corporal e os seus direitos sexuais e reprodutivos. Embora tais práticas nocivas possam variar amplamente, todas elas são violações dos direitos de mulheres e meninas.
Vários tratados internacionais de direitos humanos e outros acordos, firmados por quase todos os países, exigem que os Estados atuem para impedir práticas nocivas. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, por exemplo, estipula a tomada de todas as medidas apropriadas a fim de eliminar preconceitos e práticas baseadas na discriminação de género. O Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento de 1994 reconhece explicitamente a mutilação genital feminina como uma violação dos direitos básicos que deve ser proibida onde quer que exista.
Práticas nocivas são, por vezes, realizadas por membros da família, comunidades religiosas, prestadores de serviços de saúde, empresas comerciais ou instituições do Estado. Não obstante a fonte, os governos são obrigados a pôr fim em tais práticas. Frequentemente, isso significa mais do que proibir formalmente por lei, embora esse seja um passo essencial para transformar todos os padrões de discriminação e de desigualdade entre homens e mulheres.
Todos os dias, centenas de milhares de MENINAS em todo o mundo são prejudicadas física ou psicologicamente, com o pleno conhecimento e consentimento das suas famílias, amigos/as e comunidades. Por vezes, a agressão envolve mutilar os seus órgãos genitais, racionalizados como um ritual de passagem da infância para a condição de mulher adulta. Outras vezes, a prática envolve doar, vender ou trocar uma menina por dinheiro ou um objeto de valor, geralmente sob o nome de “casamento”. Muitas vezes, o dano é mais insidioso: uma preferência por filhos em vez de filhas, o que reforça atitudes negativas sobre o valor de mulheres e meninas na sociedade, e perpetua a desigualdade de género.
A mutilação genital feminina (MGF) é uma prática nociva dirigida exclusivamente a mulheres e meninas e que viola os seus direitos fundamentais – o direito à saúde, à integridade corporal e de ser livre de discriminação e tratamentos cruéis.
A MGF é um procedimento invasivo em tecidos saudáveis, sem nenhuma necessidade de intervenção médica. Ela implica a remoção parcial ou total da genitália externa feminina ou outra lesão nos órgãos genitais femininos por razões não médicas (OMS, 2020), podendo variar desde a raspagem e cauterização da genitália até a remoção total do clitóris e a costura dos lábios para deixar a abertura vaginal menor. O procedimento é realizado principalmente em meninas entre a infância e os 15 anos de idade (OMS, 2020).
A MGF pode resultar em severos danos físicos e psicológicos. Pode causar dores durante as relações sexuais, infecção, cistos e infertilidade, e aumentar o risco de HIV, fístula obstétrica, complicações no parto e mortalidade de recém-nascidos. Também pode desencadear depressão, pesadelos, pânico e trauma. Independentemente do motivo da prática, uma menina pode ser prejudicada para sempre.
Os instrumentos globais de direitos humanos condenam a MGF; mesmo assim, 4,1 milhões de meninas e mulheres correm o risco de serem submetidas à prática somente em 2020. Cerca de 200 milhões de meninas e mulheres vivas hoje sofreram alguma forma de mutilação genital em 31 países – sofrendo não apenas no momento, mas também pela falta de apoio e serviços para atender às necessidades constantes e subsequentes de cuidados de saúde física e mental.
De acordo com novas pesquisas do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), estima-se que cerca de 68 milhões de mulheres e raparigas poderão ser submetidas a esta prática até 2030. As Nações Unidas trabalham pela erradicação total da prática até 2030, segundo o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5, reconhecendo o efeito positivo que isso teria sobre a saúde, dignidade, educação e o avanço económico de meninas e mulheres.
Indicadores Europeus
Um estudo de 2015 conduzido pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género estimou que até 1.600 meninas na Irlanda, 1.300 meninas em Portugal e 11.000 meninas na Suécia podem ter sido submetidas à MGF em 2011 (EIGE, 2015). Estimativas posteriores sugerem que milhares de meninas foram submetidas à MGF na Bélgica, Alemanha, Itália e Holanda (EIGE, 2019).
Quando uma menina se casa, os seus direitos são violados. Os estudos são interrompidos. Com a maternidade, ela torna-se mais vulnerável à morte relacionada com a gravidez e a violência doméstica. As oportunidades evaporam. Fecham-se as portas para o futuro.
Às vezes, ela é doada; em outras, é trocada por objetos de valor. Muitas vezes, ela é tratada como um fardo transferido para outra pessoa, ou é entregue a alguém considerado capaz de garantir sua segurança. Mas, muito raramente – se é que alguma vez isso acontece – é ela quem toma a decisão.
Os casamentos de crianças são quase universalmente proibidos, mas acontecem 33 mil vezes por dia, todos os dias, em todo o mundo. Estima-se que 650 milhões de meninas e mulheres vivas hoje casaram-se quando eram ainda crianças e, até 2030, outras 150 milhões de meninas com menos de 18 anos se irão casar.
Das práticas prejudiciais que o UNFPA se comprometeu a erradicar, o casamento infantil é o mais prevalente, comprometendo os direitos e o futuro de 12 milhões de meninas por ano. Atingir zero casamentos de crianças até 2030 é uma prioridade na Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável e seus respectivos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Sem o direito de decidir se, quando e com quem casar
O casamento infantil é uma violação fundamental dos direitos humanos que rouba das meninas sua educação, saúde e suas perspectivas de longo prazo. Definida como uma união em que qualquer uma das partes tem menos de 18 anos de idade, existe em todo o mundo, mas é mais comum em áreas pobres e rurais de alguns países em desenvolvimento.
O casamento infantil aplica-se a meninos e meninas, mas os maiores efeitos nocivos recaem sobre as meninas, frequentemente relacionados com a gravidez e o parto. As meninas normalmente não estão prontas fisicamente, emocionalmente, intelectualmente ou financeiramente para serem mães em idades tão jovens. É mais provável que elas morram devido a complicações na gravidez e no parto do que as mulheres na casa dos 20 anos, e é mais provável que seus filhos sejam natimortos ou morram no primeiro mês de vida. Os riscos de morte materna são cerca de 28% maiores para mães de 15 a 19 anos do que para mães de 20 a 24 anos, embora entre os fatores de risco a idade da mãe possa não ser tão significativa quanto outros fatores associados ao casamento infantil, como pobreza e falta de acesso a serviços.
Meninas que casam cedo raramente continuam os estudos
O casamento infantil correlaciona-se com fim abrupto da escolaridade, o aumento taxas de analfabetismo e piores resultados educacionais, minando as perspectivas das meninas de ingressar na força de trabalho remunerada e obter independência económica. O casamento infantil e as gestações precoces associadas representam entre 15% e 33% dos abandonos escolares. Adiar, por apenas um ano, a decisão de se casar muito jovens aumentaria a escolaridade das jovens mulheres na África subsaariana em 0,54 ano adicional de escolaridade e em 22% na alfabetização.
Um mundo onde filhos e filhas sejam igualmente valorizados
Atualmente, mais de 140 milhões de mulheres são consideradas como estando em falta, como consequência não apenas da seleção de sexo baseada no género, mas também da seleção pós-natal.
A prática pode resultar em abortos involuntários ou forçados das mulheres grávidas; no abandono ou na exclusão de mulheres que dão à luz meninas; e em má nutrição, educação inadequada e menos vacinas para meninas.
Quando os MENINOS são mais valorizados do que as meninas, a pressão para ter um filho é intensa A preferência por filhos em vez de filhas pode ser tão acentuada em algumas sociedades que os casais não medem esforços para evitar o nascimento de uma menina (seleção de sexo baseado no género) deixam de cuidar da saúde e do bem-estar de uma filha em favor de um filho.
Em algumas partes do mundo, o nascimento de um menino é motivo de comemoração. Já o nascimento de uma menina pode ser motivo de decepção. Ela é vista vista como um fardo, um prejuízo e um entrave no futuro da família. Poderá ser esquecida, ignorada, mal alimentada. Poderá até morrer por negligência. E pode tornar-se vítima de seleção de sexo pós-natal.
Preferir ter um filho em vez de uma filha não é, por si só, uma violação dos direitos humanos. A preferência por filhos, no entanto, está vinculada a uma rede de relações sociais que refletem, produzem e reproduzem estereótipos de género. É a perpetuação de estereótipos, particularmente aqueles que marcam o masculino como superior ao feminino e levam à subordinação da mulheres e meninas – o que constitui violação dos direitos humanos.
O Relatório da Situação da População Mundial de 2020 foi desenvolvido durante os estágios iniciais da pandemia da Covid-19.
Atualmente, existem poucos dados sobre a forma como a pandemia está a afetar o exercício de práticas nocivas em todo o mundo. Todavia, existem algumas certezas: primeiro, os programas criados para acabar com o casamento infantil e a MGF enfrentam sérios atrasos na sua implementação; segundo, as adversidades económicas relacionadas à pandemia estão a aumentar a vulnerabilidade das meninas e ameaça reverter os ganhos. Uma análise recente revelou que, se os serviços e programas permanecerem fechados durante seis meses, mais 13 milhões de meninas podem ser forçadas a se casar e mais 2 milhões de meninas podem estar sujeitas a mutilação genital feminina, de 2020 até 2030.
“A pandemia torna o nosso trabalho mais difícil e mais urgente, pois agora há muitas mais meninas em risco ”, diz Kanem. “Não vamos parar até que os direitos, escolhas e corpos de todas as meninas sejam totalmente seus.”
“Todos os dias, dezenas de milhares de meninas vêm a sua saúde, os seus direitos e o seu futuro roubado. Algumas são submetidas à mutilação genital feminina. Muitas forçadas a “casar” ainda em crianças, e outras são negligenciadas ou passam fome, simplesmente porque são mulheres. “
Natalia Kanem Subsecretária-Geral e Diretora Executiva do UNFPA, Fundo de População das Nações Unidas
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