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Mahsa Amini tinha 22 anos e morreu numa prisão no Irão por alegadamente usar de forma incorreta o véu islâmico.
Mahsa Amini estava de visita a Teerão no dia 13 de setembro quando foi detida pela Patrulha da Orientação da República Islâmica do Irão – conhecida por “polícia da moralidade” – por alegadamente não estar a usar o hijab – véu islâmico – de forma correta e de estar a violar o código de vestuário do país. Nesse dia foi transferida para uma esquadra com o objetivo de assistir a “uma aula de reeducação”. Horas mais tarde, os familiares foram informados/as que a mulher tinha sido hospitalizada.
Mahsa Amini, de 22 anos, acabou por morrer no dia 16 de setembro, três dias depois de ter dado entrada no hospital, onde estava em coma e após ter sofrido um ataque cardíaco, que as autoridades atribuíram a problemas de saúde. A família rejeita esta versão, sublinhando que Mahsa era uma mulher saudável sem qualquer problema de saúde que justificasse um problema cardíaco repentino.
Várias testemunhas afirmam que, após a detenção, Mahsa Amini foi espancada pelos agentes dentro da carrinha da polícia e sofreu graves ferimentos na cabeça. A trágica morte de Mahsa Amini desencadeou uma onda de protestos generalizados em todo o Irão e junto da comunidade internacional, deixando o país a ferro e fogo.
Desde a morte de Mahsa, milhares de pessoas saíram às ruas para exigir responsabilidade pela morte da jovem e o fim da violência contra as mulheres no Irão. Já morreram 83 pessoas desde o início do protesto e há centenas feridos e pessoas detidas pelas forças de segurança do Irão. Aos quais se acrescem cortes e interrupções na Internet por todos o país, com objetivo de silenciar os protestos.
A agitação está nas ruas desde o dia 16 de setembro, após a morte de Mahsa Amini. Em várias cidades do Irão, as mulheres saíram às ruas para protestar contra a morte de Amini: algumas manifestantes tiraram o hijab em público – um ato punível desde 1979– queimaram-no ou cortaram simbolicamente o cabelo perante a multidão que as aplaudia. Cantaram slogans como “Mulheres, vida, liberdade”, contra um regime opressor dos Direitos das Mulheres. Nas ruas grita-se “Morte ao ditador”, referindo-se a Ali Khamenei, líder supremo do Irão.
Multiplicaram-se os protestos em mais de 20 cidades, milhares de manifestantes e forças de segurança entraram em confrontos, naqueles que são já considerados como os distúrbios políticos mais graves no país desde 2019.
Pelo menos 83 pessoas foram mortas – incluíndo 6 mulheres e 4 crianças – nas manifestações no Irão. Os dados são da ONG Iran Human Rights (IHR), que alerta para a “repressão sangrenta“ e o uso desproporcional da força e de munições reais pelas forças de segurança iranianas, para reprimir os protestos pacíficos dos últimos dias, numa “violação clara e grosseira do direito internacional”.
A organização de direitos humanos iraniana com sede em Oslo, na Noruega, denuncia que a maioria das famílias foram “obrigadas a enterrar silenciosamente os seus entes queridos durante a noite” e pressionada para não realizar funerais públicos. Muitas outras, sofreram ameaças caso divulgassem as suas mortes. A IHR refere que para limitar os protestos, as autoridades iranianas bloquearam o acesso às redes sociais, como o Instagram e o WhatsApp, as ligações à Internet também “foram severamente interrompidas ou completamente cortadas” nos últimos dias.
No Islão, o hijab, ou o véu islâmico, é o vestuário que permite a privacidade, a modéstia e a moralidade, ou ainda “o véu que separa o homem de Deus”. Uma imposição que limita e torna invisível a presença das mulheres no espaço público.
A lei que obriga as mulheres a usarem o hijab no espaço público entrou em vigor aquando da revolução islâmica de Mohammad Reza, em 1979. Ao longo dos anos, o nível de fiscalização é mais ou menos rígidos, dependendo de quem está no poder. Porém, desde que o presidente Ebrahim Raisi assumiu o poder em 2021, a polícia da moralidade ganhou novos poderes e está cada vez mais presente nas ruas, através da criação dos designados “centros de reeducação” que fiscalizam e garantem o cumprimento dos rígidos códigos islâmicos e de vestuário impostos pelo governo.
As mulheres que não cumprem os códigos islâmicos sobre a modéstia são detidas e levadas para os “centros de reeducação” onde recebem aulas sobre o Islão e a importância do hijab, posteriormente são obrigadas a assinar um compromisso de cumprir os regulamentos de vestuário e respetivos códigos de conduta antes de serem libertadas.
O primeiro destes centros abriu em 2019, revelou Hadi Ghaemi, diretor executivo do Centro para os Direitos Humanos no Irão (CHRI), com sede em Nova Iorque, acrescentando que “desde a sua criação, que não tem qualquer fundamento na lei, os agentes destes centros detiveram arbitrariamente inúmeras mulheres sob o pretexto de não cumprirem o uso forçado do hijab pelo Estado.”
“Usar ou não usar um hijab é uma questão de liberdade de expressão, um direito humano fundamental e inalienável que deve ser defendido”, lê-se no comunicado do diretor executivo da CHRI, Hadi Ghaemi. Porém, as autoridades iranianas estão empenhadas em usar toda a máquina do Estado “para esmagar a oposição ao hijab forçado, mesmo com mais da metade da população contra”, acrescentou Ghaemi.
Um relatório sobre o uso do hijab do Centro de Estudos Parlamentares do Irão revela que 49,2% da população iraniana é contra a lei de uso obrigatório do hijab e acredita que o uso do hijab “é um assunto pessoal e não deve ser obrigatório”.
Um relatório sobre o uso do hijab do Centro de Estudos Parlamentares do Irão revela que 49,2% da população iraniana é contra a lei de uso obrigatório do hijab e acredita que este “é um assunto pessoal”.
As leis da obrigatoriedade do uso do hijab e respetiva aplicação pelas forças de segurança são uma violação dos direitos de milhões de mulheres e raparigas no Irão, que enfrentam formas sistemáticas e legalmente enraizadas de discriminação e violência. Mas também são o reflexo do agudizar de uma crise de impunidade no país que encoraja as autoridade iranianas a recorrer a níveis cada vez mais elevados de violência para reprimir as críticas, os protestos e as manifestações pacíficas, sem ter medo das consequências. Por isso, é urgente a ajuda da comunidade internacional no combate à impunidade dos crimes e das violações sistemáticas dos Direitos Humanos no Irão.
A imposição do hijab são leis e normas aplicadas há décadas por atores estatais que incentivam e promovem a submissão das mulheres, dos seus corpos e das suas vidas, em nome dos costumes e da moralidade. Porém, o policiamento dos corpos das mulheres não se limita ao Estado. As leis abusivas e discriminatórias do Irão permitem que não sejam apenas agentes do Estado, mas também todos aqueles que se sentem que têm o direito, e o dever, de fazer prevalecer os valores do estado islâmico, de assediarem e agredirem as mulheres em público. Privadas de decidir sobre os seus próprios corpos, e contra a sua vontade, são submetidas a várias formas de violência: perseguidas, presas e tratadas como criminosas são obrigadas a cumprir um rigorosos código de vestuário. Vidas subjugadas a uma ditadura estatal e religiosa.
A Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Nada Al-Nashif, divulgou um comunicado, no passado dia 22 setembro, no qual manifesta a profunda preocupação face ao escalar da violência das forças de segurança do governo do Irão e sobre a repressão em curso contra as mulheres iranianas que se opõem ao uso obrigatório do véu islâmico.
“A trágica morte de Mahsa Amini e as alegações de tortura e maus-tratos devem ser investigadas rápida, imparcial e eficazmente por uma autoridade competente e independente, que garanta, em particular, que a família tenha acesso à justiça e à verdade”, apelou Nada Al-Nashif.
No mesmo dia, a ONU Mulheres, divulgou um comunicado sobre a morte de Mahsa Amini, afirmando que “a morte de qualquer jovem, é uma tragédia além da medida. As circunstâncias que cercam esta série de eventos, são motivo de particular preocupação.” A agência da ONU alertou que, embora as causas e circunstâncias da sua morte não sejam claras, “o que está claro é que ela foi detida e tratada em violação dos direitos humanos mais básicos. O incidente também ressalta os abusos sofridos por mulheres e meninas em todo o mundo”.
Esta terça-feira, 27 de setembro, a ONU Mulheres reiterou o apoio às mulheres do Irão afirmando a legitimidade das suas lutas e protestos contra as injustiça sem represálias, e de “serem livres para exercer sua autonomia corporal, incluindo sua escolha de vestuário”.
Por último, a ONU Mulheres apelou às autoridades iranianas à libertação de todas as mulheres que foram detidas arbitrariamente e reiterou a necessidade de realizar uma investigação independente, imparcial e imediata sobre a morte de Amini.
Especialistas independentes em Direitos Humanos da ONU lamentaram a morte da jovem Mahsa Amin e condenaram fortemente o uso da violência física contra as mulheres, alertando para a negação dos direitos fundamentais da dignidade humana ao implementar políticas de uso forçado do hijab pelas forças de segurança do Estado.
“Ela é outra vítima da repressão e discriminação sistemática contra as mulheres do Irão e da imposição de códigos de vestuário discriminatórios que privam as mulheres da autonomia corporal e da liberdade de opinião, expressão e crença”, afirmaram em comunicado.
“Pedimos às autoridades iranianas que realizem uma investigação independente, imparcial e imediata sobre a morte de Amini, tornem públicas as conclusões da investigação e responsabilizem todos os perpetradores”.
Irão ocupa a 143ª posição entre 146 países no índice global de desigualdade de género do Fórum Económico Mundial de 2022. No ritmo atual, estima-se que a igualdade entre homens e mulheres na região só será eliminada em 197 anos.
Dois séculos de atraso, na luta contra o padrão contínuo de violência, violação dos direitos humanos e nas disposições legais que discriminam as mulheres no sentido de alcançarem a igualdade económica e social. De acordo com 16ª edição do relatório do Fórum Económico Mundial – Global Gender Gap Report” de 2022 – entre os 146 países avaliados, o Irão ocupa a 143ª posição do índice com uma pontuação de 0,576. Uma diferença de apenas 0.141 pontos em comparação com o Afeganistão que ocupa o último lugar do ranking.
Registando progressos muito lentos e com uma pontuação baixa em todos os indicadores de desigualdade entre homens e mulheres, o Irão é o quarto país com a maior taxa de desigualdade de género no mundo. O Fórum Económico Mundial calcula que o tempo necessário para eliminar as desigualdades entre homens e mulheres na região seja de 197 anos. Isto significa que conseguir paridade entre homens e mulheres na saúde, educação, no trabalho e na política ainda demorará dois séculos a ser alcançada.
Estes dados colocam em evidência que as mulheres no Irão continuam a ser prejudicadas pela falta de oportunidades, numa sociedade extremamente conservadora e subjugadas à dominação masculina e às normas de uma ditadura estatal e religiosa. A estes indicadores, acresce os sucessivos relatos de tortura, maus-tratos, perseguição, detenções arbitrárias, interrogatórios e processos judiciais prolongados, coagindo ativistas pelos direitos humanos e das mulheres ao silêncio. Crimes e violações sistemáticas dos direitos humanos continuam a ser cometidos com impunidade, num padrão contínuo do aumento da violência contra as mulheres e raparigas. Relegando-as para o espaço da invisibilidade e sub-representação das mulheres em todas as dimensões da sua vida, desde a participação económica e política, níveis de escolaridade, direitos sexuais e reprodutivos, na liderança e em cargos de decisão.
Nesse sentido, as diversas manifestações e protestos desencadeados pela morte de Mahsa Amini adquirem uma dimensão importante na luta contra as mais diversas formas de opressão e negação dos direitos humanos e de combater todas as formas de violência, discriminação e opressão das mulheres e raparigas no Irão. São mulheres que lutam contra a opressão e invisibilidade, que começa pela contestação da obrigatoriedade do uso do Hijab, que se estende ao escalar da violência e da repressão contra as mulheres que se opõem ao uso obrigatório do véu islâmico, mas que tem como fim último a afirmação e defesa dos direitos das mulheres. De exercer os seus direitos de liberdade de expressão, de crença e autonomia corporal, e de escolher os seus próprios códigos de vestuário e de conduta: a decisão de usar ou não o hijab deve ser deixada às mulheres.
Susana Pereira, ACEGIS
Um Estado que controla os corpos das mulheres, que tem legitimidade para impor meio metro de tecido sobre as suas cabeças, está legitimado para impor todas as formas de violência e opressão sobre as mulheres. Mahsa Amin simboliza a luta não só contra o uso obrigatório do Hijab, mas também contra todas as formas de violência e opressão das mulheres no Irão. Importa, por isso, problematizar a institucionalização de um poder coercivo de ocultação dos seus corpos, através das vestes que os cobrem e ocultam os seus corpos, não por escolha, mas por imposição dogmática.
Defender o direito das mulheres muçulmanas a usar o véu, particularmente nas sociedades ocidentais e democráticas – e num mundo marcado pela islamofobia, onde os discursos de ódio e da xenofobia ganham força – não significa deixar de falar contra o uso do véu islâmico, como símbolo de opressão, sobretudo em países onde ele é imposto de forma coerciva através da lei e da tradição. E se nas sociedades ocidentais o hijab pode ser visto como uma forma de liberdade e afirmação dos direitos e da expressão da identidade das mulheres muçulmanas, também significa exatamente o oposto para as mulheres que são forçadas a usá-lo: é um símbolo de opressão.
Nasrin Sotoudeh, uma proeminente advogada iraniana dos direitos humanos, foi detida em 13 de junho de 2018 depois de representar uma mulher condenada à prisão por protestar pacificamente contra a lei iraniana obrigatória do hijab, removendo-o em público.
Nasrin Sotoudeh, uma proeminente advogada iraniana defensora dos direitos humanos, foi detida em 13 de junho de 2018 por ter representado uma mulher que enfrentava uma pena de prisão por ter tirado o hijab em público, na sequência de um protesto pacífico contra a lei iraniana que obriga ao uso do véu islâmico.
Em 20212, quando foi distinguida com o Prémio Sakharov, cumpria uma pena de prisão de seis anos, sob a acusação de pôr em perigo a segurança nacional do Irão, e iniciara uma greve de fome de sete semanas, em regime de isolamento na prisão iraniana de Evin, em protesto contra as pressões judiciais exercidas sobre o marido e a filha. Foi inesperadamente libertada em setembro de 2013, por motivos não divulgados pelas autoridades iranianas, mas a sua sentença não foi anulada e continua a estar proibida de deixar o Irão.
Em junho de 2018, foi detida e enviada para a prisão devido ao seu apoio à vaga contínua de manifestantes contra a obrigação de usar o hijabe e contra a tortura. Recusou estar presente na sessão do tribunal em dezembro de 2018, uma vez que lhe fora recusada representação por um advogado da sua própria escolha. Em março de 2019, foi condenada a 33 anos de prisão e 148 chicotadas por pôr em perigo a segurança nacional, difundir propaganda, pertencer a grupos ilegais, incentivar as pessoas a participar em atos de corrupção e prostituição e aparecer em público sem o hijab. A 11 de abril de 2019, recebeu o Prémio One Humanity do PEN Canadá.
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