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Silêncio Intolerável: O Aumento da Violência e o Colapso Humanitário no Sudão

O Sudão enfrenta atualmente uma das crises humanitárias mais graves do século XXI, marcada pela violência extrema, incluindo execuções extrajudiciais, ataques indiscriminados a civis e violência sexual contra mulheres e raparigas, num contexto marcado impunidade generalizada.

Este artigo apresenta uma análise integrada do conflito, adotando uma abordagem multidimensional de um conflito armado de grande intensidade, que resultou na maior crise de deslocamentos forçados do mundo.

O Aumento da Violência e o Colapso Humanitário no Sudão

O impacto sobre a população civil tem sido devastador, com ataques contínuos a comunidades vulneráveis (OMS, 2025; ONU Mulheres, 2025). Na publicação da ACEGIS “Número de pessoas deslocadas à força atinge os 123 milhões de pessoas em todo o mundo” (ACEGIS, 2025), alertava-se que, no final de 2024, o número total de sudaneses deslocados internamente atingia 14,3 milhões, um aumento de 3,5 milhões face ao ano anterior

Este número revela que cerca de um em cada três habitantes do país foi forçado a abandonar a suas casas, evidenciando a gravidade da crise e a necessidade urgente de respostas humanitárias coordenadas e sustentadas. Simultaneamente, mais de dois terços da população – cerca de 30 milhões de pessoas – mais de dois terços da população – precisam de ajuda humanitária em saúde e alimentação e outras formas de apoio humanitário (United Nations Office at Geneva, 2025).

A escalada da violência em El Fasher, incluindo massacres e violência sexual, traduz dinâmicas históricas de exclusão, militarização e impunidade. Estes eventos mostram não só a gravidade da crise humanitária, mas também a urgência de respostas coordenadas e eficazes por parte da comunidade internacional, com o objetivo de proteger de civis, garantir o acesso humanitário seguro e a responsabilizar os autores de crimes de guerra.

Conflito no Sudão - Contexto Histórico e Estrutural 

Desde abril de 2023, o Sudão tem sido palco de um conflito entre as Forças Armadas Sudanesas (SAF) e as Forças de Apoio Rápido (RSF), motivado pela disputa pelo controlo político e militar do país.  O massacre de cerca de 460 civis no Hospital de Maternidade Saudita, em El Fasher, evidencia um padrão de violência direcionada com motivações étnicas e de género (OMS, 2025).

Estes ataques resultam de décadas de exclusão, militarização e impunidade. A violência sexual tem sido utilizada como arma de guerra, afetando sobretudo mulheres e raparigas, constituindo graves violações do Direito Internacional Humanitário e de instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, com impactos profundos na saúde física e mental das vítimas e na coesão social das comunidades (ONU Mulheres, 2025).

As Nações Unidas alertam para a escalada extrema da violência em El Fasher, especialmente após a tomada da cidade pelas RSF. Entre os dias 25 e 26 de outubro de 2025, as execuções motivadas por etnia e casos sistemáticos de violência sexual também foram documentadas de forma alarmante. (ACNUDH, 2025).

O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, classificou os relatos como “credíveis” e alertou para o risco iminente de atrocidades em massa (Secretário-Geral da ONU, 2025).

Mais de metade da população do Sudão depende de ajuda humanitária, e milhões foram deslocados das suas próprias casas, A proteção de civis, o acesso seguro à ajuda humanitária e a responsabilização dos autores dos crimes são exigências urgentes. Compreender a crise exige uma abordagem interseccional, que leve em conta género, etnia, deslocamento forçado e o colapso das estruturas de proteção civil.

Enquadramento da Crise no Sudão

O conflito no Sudão devastou regiões inteiras, com destaque para Cartum, Darfur e Kordofan, causando destruição de infraestruturas essenciais, colapso dos serviços públicos e o isolamento de comunidades inteiras. A ONU classificou o conflito como “a pior crise humanitária do mundo” em termos de número de pessoas afetadas e de necessidades simultâneas, estimando que mais de dois terços da população dependem de ajuda humanitária — incluindo 7,5 milhões de mulheres e 16 milhões de crianças (OCHA, 2025; ONU Mulheres, 2025).

Relatórios do ACNUDH documentam cenários de extrema violência: execuções extrajudiciais, ataques indiscriminados a civis, recrutamento de crianças para o combate e violência sexual, num contexto marcado pela impunidade generalizada (ACNUDH, 2025). Face a este colapso humanitário devastador, a ONU e a União Europeia têm feito apelos insistentes por um cessar-fogo imediato, a interrupção do fornecimento de armas e a responsabilização dos autores desses crimes (UE, 2025).

Deslocamento Forçado e Migrações

O conflito no Sudão provocou uma das maiores crises de deslocamentos forçados do século XXI. Mais de 14,3 milhões de pessoas foram forçadas a abandonar as suas casas dentro do seu próprio país, enquanto milhões procuraram refúgio em países vizinhos, como o Chade, Sudão do Sul, Etiópia e Egito.

O Sudão tornou-se num dos maiores contribuintes para o aumento global do deslocamento forçado, que atingiu 123 milhões de pessoas em 2025 (ACEGIS, 2025). A instabilidade não se limita apenas ao Sudão, a crise estende-se a toda a região do Corno de África e os sistemas migratórios internacionais, mostrando com as crises locais tem um impacto nas dinâmicas regionais e globais.

Segurança Alimentar e Risco de Fome

O conflito destrói infraestruturas e interrompe cadeias de abastecimento alimentar. O Programa Mundial de Alimentos (WFP) alerta para o risco iminente de fome generalizada. Agricultores e comunidades rurais veem as suas atividades interrompidas, enquanto as rotas de abastecimento permanecem bloqueadas. No Sudão, a fome é uma consequência direta do conflito, evidenciando a necessidade de soluções que integrem segurança alimentar, estabilidade política e acesso humanitário.

Violência Contra Mulheres e Raparigas

Mulheres e raparigas enfrentam vulnerabilidades agudas em contextos de conflito e deslocamento. ONU Mulheres documentou um aumento sistemático da violência sexual utilizada como instrumento de guerra. A interrupção dos serviços de saúde sexual e reprodutiva coloca em risco as mulheres grávidas, enquanto que a perda de redes comunitárias intensifica a insegurança, a exploração sexual e o tráfico humano.

Na publicação, The impact of Sudan’s war on women: Two years on (ONU Mulheres, 2024), alerta para o facto de, em menos de dois anos, o número de pessoas em risco de violência de género no Sudão ter mais do que triplicado. Estima-se que 12,1 milhões de pessoas, cerca de 25% da população, estejam atualmente expostas a este risco. Apesar dos casos continuarem amplamente subnotificados e dos serviços de apoio estarem paralisados, em 2024, verificou-se um aumento de 288% na procura de serviços destinados a vítimas de violência de género em comparação com o ano anterior.

Integrar a perspetiva de género é, portanto, indispensável para assegurar respostas humanitárias eficazes e proteger as populações mais vulneráveis.

A violência persistente marcada por massacres sistemáticos, destruição de estruturas civis e uso da violência sexual como arma de guerra, exige uma ação firme e urgente.

A crise no Sudão é profunda, complexa e multidimensional, exigindo uma resposta coordenada da comunidade internacional. O conflito revela padrões globais preocupantes, como militarização crescente, fragilidade do Estado, deslocamento massivo de pessoas, desigualdades e violência de género. A violência persistente marcada por massacres sistemáticos, destruição de estruturas civis e uso da violência sexual como arma de guerra, exige uma ação firme e urgente.

A ACEGIS reafirma seu compromisso com os direitos humanos, a proteção de civis e a responsabilização internacional. Em face da tragédia, é crucial que Estados, organizações regionais e a comunidade internacional adotem medidas concretas, incluindo:

  • Estabelecimento de corredores humanitários seguros e permanentes;
  • Proteção reforçada para mulheres e meninas;
  • Monitoramento independente e responsabilização dos autores de crimes;
  • Apoio contínuo à sociedade civil sudanesa.

O silêncio perante de crimes de guerra é uma forma de cumplicidade.  A solidariedade deve traduzir-se em ações concretas para proteger a vida e a dignidade humana.

por Susana Pereira, Fundadora da ACEGIS

Referências Bibliográficas

ACEGIS. (2025). Número de pessoas deslocadas à força atinge os 123 milhões de pessoas. Disponível em: https://www.acegis.com/2025/07/numero-de-pessoas-deslocadas-a-forca-atinge-os-123-milhoes-de-pessoas/

ACNUDH. (2025). Relatório sobre execuções e deslocações em Darfur. Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Disponível em: https://www.ohchr.org

OCHA. (2025). Sudan Humanitarian Needs Overview. Escritório das Nações Unidas para Coordenação de Assuntos Humanitários. Disponível em: https://www.unocha.org/sudan

ONU Mulheres. (2025). Violência sexual em contextos de conflito no Sudão. Disponível em: https://www.unwomen.org

ONU Mulheres. (2024). The impact of Sudan’s war on women: Two years on. Disponível em: https://www.unwomen.org/en/articles/explainer/the-impact-of-sudans-war-on-women-two-years-on

Secretário-Geral da ONU. (2025). Declaração sobre a deterioração da situação no Sudão. Disponível em: https://www.un.org

OMS. (2025). Report on Civilian Casualties in El Fasher Hospital Attack. World Health Organization. Disponível em: https://www.who.int

UE (2025). Declaração do Alto Representante sobre o conflito no Sudão. União Europeia. Disponível em: https://www.consilium.europa.eu

United Nations Office at Geneva. (2025). Sudan humanitarian overview. Disponível em: https://www.ungeneva.org

WFP. (2025). Sudan food security update. Programa Mundial de Alimentos. Disponível em: https://www.wfp.org

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